Washington, capital da ‘terra da liberdade’, ignora o livre mercado e cria leis para conter a liderança chinesa no setor e acaba dando um tiro no pé, pois não consegue fabricar esse tipo de equipamento com a qualidade da potência asiática
Desde que o ser humano criou máquinas capazes de voar, os EUA lideram o setor aeroespacial. A China, segunda maior economia do mundo, abriu uma exceção nessa hegemonia e lidera o mercado mundial de drones comerciais pequenos.
Empresas chinesas, como a Da-Jiang Innovations (DJI) e a Autel Robotics, dominam a produção de drones com produtos que são amplamente utilizados para inspeções de segurança, avaliações de danos por seguradoras e até aplicações militares, como demonstrado na guerra entre Rússia e Ucrânia.
Protecionismo de Washington
Quando a “terra da liberdade” perde a liderança em algo, imediatamente se volta para o protecionismo e manda às favas os preceitos do livre mercado. Tem sido assim com os carros elétricos, com baterias de lítio e placas solares e também com os drones comerciais pequenos.
O Pentágono e o Congresso dos EUA, preocupados com o atraso na fabricação de drones comerciais e com a liderança chinesa, criaram a Lei de Segurança de Drones Americanos, que proíbe agências e contratados federais de usarem equipamentos fabricados na China. A iniciativa “Replicator” também foi introduzida para estimular a produção nacional de drones.
Problemão para os pilotos de drone dos EUA
Essas medidas protecionistas para conter a liderança chinesa neste setor criaram um problema para os EUA. É o que diz a revista estadunidense Foreign Policy, de julho de 2023, em artigo assinado por Faine Greenwood, especialista nessa área que faz pesquisa com foco na tecnologia de drones civis, e intitulado “There’s No Substitute for Chinese Drones (and That’s a Problem)” (“Não Há Substituto para os Drones Chineses (e Isso é um Problema)”, em tradução livre
A maioria esmagadora dos programas de drones do governo dos EUA usa equipamentos feitos na China. Tanto que os pilotos de drones em campos que vão desde busca e resgate até agricultura e pesquisa científica estão cientes de que faltam boas ou acessíveis alternativas aos produtos chineses e estão ficando nervosos, alerta Greenwood.
As empresas estadunidenses de drones, como a Skydio têm buscado aumentar a produção e reduzir custos para competir melhor no mercado, apesar das preocupações sobre as restrições aos drones chineses e a dependência de cadeias de suprimentos que não envolvam a China.
Liderança chinesa do mercado de drones
Quando você ouve o barulho de um drone, em qualquer lugar do mundo, é muito provável que esteja escutando um som feito na China pela DJI. Em 2006, a empresa de tecnologia chinesa revolucionou a indústria ao criar drones acessíveis e fáceis de usar que capturam imagens impressionantes e produzem mapas detalhados.
Hoje, a DJI controla mais de 70% do mercado de drones civis, com seus produtos conhecidos por serem acessíveis, de alta qualidade e bem projetados. Além da DJI, outras empresas chinesas e fábricas de componentes eletrônicos consolidam o país como o centro da indústria de drones de consumo.
Em março deste ano, o Conselho de Estado da China divulgou um balanço do crescimento do setor de drones do país nos últimos anos que aponta um desenvolvimento robusto, com veículos aéreos não tripulados (UAVs) sendo utilizados em mais áreas da economia.
Administração de Aviação Civil da China (CAAC, da sigla em inglês) informou que havia quase 1,27 milhão de UAVs registrados no país no final de 2023, um aumento de 32,2% em relação ao ano anterior. Cerca de 19 mil empresas estavam envolvidas na operação de drones, e 194 mil pessoas tinham certificados de piloto de drone.
Os drones civis voaram um total de 23,11 milhões de horas na China no ano passado, um aumento de 11,8% em comparação com 2022. Os drones são amplamente utilizados na China em setores como agricultura, silvicultura, pecuária e pesca, além de entretenimento e fotografia aérea.
No dia 10 de julho passado, Administração de Aviação Civil da China (CAAC, da sigla em inglês) divulgou dados que mostram que a indústria de drones do país experimentou um rápido desenvolvimento, com um aumento maciço no número de veículos aéreos não tripulados (VANTs) recém-registrados no primeiro semestre de 2024.
Quase 608 mil VANTs foram registrados no primeiro semestre, um aumento de 48% ante o número registrado ao final de 2023, informou Song Zhiyong, chefe da CAAC, em uma entrevista coletiva. O tempo acumulado de voo dos VANTs atingiu quase 9,82 milhões de horas no primeiro semestre, um aumento de 134 mil horas ante o mesmo período do ano passado.
“Os dados indicam que a economia de baixa altitude da China está entrando em um estágio de rápido desenvolvimento”, disse Song.
A CAAC otimizará ainda mais os padrões técnicos no setor de VANTs e orientará as autoridades locais na melhoria do planejamento e construção de infraestrutura para uso de VANTs.
Também serão feitos esforços para melhorar as capacidades de comunicação, navegação e vigilância dos VANTs de baixa altitude e estabelecer regras de operação de segurança e políticas regulatórias para diferentes atividades de voo, disse ele.
A crescente economia de baixa altitude, impulsionada pela inovação tecnológica, está experimentando um rápido crescimento na China. Um relatório de um instituto de pesquisa do Ministério da Indústria e Informatização da China mostrou que o valor do setor atingiu 70,92 bilhões de dólares em 2023 e deve ultrapassar 38 bilhões de dólares até 2026.
Como a China se transformou em líder no setor de drones
O economista Paulo Gala analisa que a ascensão da China como líder na produção global de drones reflete uma combinação de estratégias econômicas e apoio governamental. No texto “A história de como a China virou o centro mundial de produção de drones” ele descreve esse processo.
“A história começa nas últimas décadas, quando o país asiático passou por um rápido crescimento industrial e tecnológico. Na década de 1990, a China começou a se concentrar em desenvolver suas capacidades de fabricação e se tornar uma potência industrial”, escreveu
Ele pontua que, desde os anos 1990, a China aproveitou sua mão de obra abundante e baixos custos de produção para atrair investimentos estrangeiros, estabelecendo uma robusta infraestrutura industrial.
Gala comenta que o governo chinês incentivou o setor através de políticas favoráveis, investindo em pesquisa e desenvolvimento. As empresas chinesas, aproveitando a ampla cadeia de suprimentos local, especializaram-se em produzir drones de alta qualidade a preços competitivos, dominando assim o mercado global.
“A China se tornou o centro mundial de produção de drones devido à sua base industrial estabelecida, custos de produção mais baixos, apoio do governo e demanda global crescente. Com sua experiência em fabricação em grande escala e capacidade de oferecer produtos de qualidade a preços competitivos, as empresas chinesas conquistaram uma posição dominante no mercado de drones”, sintetiza Gala.
Entrega na Grande Muralha da China
Turistas famintos que caminham na Grande Muralha da China agora podem ter seu almoço entregue pelo ar. O gigante chinês de entrega de alimentos, Meituan, anunciou no dia 22 de agosto que seu novo serviço de drones trará alimentos, bebidas e outros produtos, como suprimentos médicos, para clientes em uma seção distante do antigo monumento nos arredores de Pequim.
Este é o primeiro serviço de drones da capital, somando-se a um negócio de entrega por drones em rápida expansão em toda a China, o maior fabricante e exportador mundial de drones consumidores civis.
A rota do drone na Grande Muralha se estende do telhado de um hotel próximo até uma torre de vigia na extensão sul de Badaling, a seção mais popular das imensas fortificações que se estendem pelo norte da China.
Aberta no ano passado, essa extensão preservou o estado arruinado dos parapeitos na muralha, que normalmente enfrenta temperaturas escaldantes no verão e não possui instalações comerciais.
Show de drones na China
Os shows de drones na China são espetáculos impressionantes de tecnologia e coordenação, caracterizados pelo uso de grandes quantidades de drones que formam padrões e imagens intricadas no céu.
Esses shows frequentemente ocorrem durante grandes festividades e eventos nacionais, como o Festival da Primavera e o Ano Novo Chinês.
Empresas como a EHang e a Intel têm liderado essas exibições, que não apenas demonstram avanços em tecnologia de controle de drones, mas também servem como uma forma de entretenimento público e arte tecnológica.
O menor drone do mundo
Na liderança do mercado de drones, a China acaba de desenvolver o menor do mundo. Pesquisadores da Universidade Beihang, em Pequim, desenvolveram o “CoulombFly”, um microdrone que pesa apenas 4,2 gramas, mais leve que uma folha de papel tamanho A4. A inovação foi detalhada em um estudo publicado na revista Nature na edição de julho passado.
O principal autor, Shen Wei, doutorando na universidade, destacou que, ao contrário dos drones solares maiores de décadas passadas, o CoulombFly utiliza uma abordagem tecnológica inovadora com motores eletrostáticos, superando desafios anteriores na miniaturização de drones. Shen relatou que, após três semanas de testes intensivos, confirmou-se a capacidade de voo do dispositivo.