No combate ao aquecimento global e na busca de novos mercados, a SLC Agrícola e a Amaggi – dois gigantes da produção e exportação de soja, milho e algodão – têm como meta neutralizar as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e 2050, respectivamente, nos escopos 1 (emissões próprias) e 2 (emissões indiretas, da energia elétrica). No caso da Amaggi, o objetivo inclui também o escopo 3, que engloba o restante da cadeia produtiva; no caso do grupo, cerca de 6 mil fornecedores, que respondem por 95% de suas exportações. Para atingir os objetivos, ambas têm uma estratégia em comum: a agricultura regenerativa.
Neste ano, a SLC Agrícola certificou com o selo Regenagri de agricultura regenerativa 35,9 mil hectares (8% da sua área plantada) em duas fazendas nos municípios de Luziânia (GO) e Costa Rica (MS). Desenvolvido pela britânica Control Union, o programa contempla práticas para saúde do solo, preservação da biodiversidade, uso sustentável da água, utilização de insumos biológicos e sequestro de carbono, entre outras iniciativas. “Até 2028 queremos certificar todas as nossas fazendas”, diz Leonardo Celini, diretor de operações de campo da companhia.
O selo pode garantir novas vendas. “Existe demanda pelos produtos certificados na Europa e Ásia”, acrescenta o executivo, que também menciona vantagens do lado de dentro da porteira. “O mundo vai passar por conjunturas climáticas cada vez mais complicadas, e a agricultura regenerativa torna o sistema de produção mais resiliente”, diz.
A Amaggi deve lançar, nos próximos meses, sua própria certificação, em parceria com empresas especializadas independentes. O selo integrará o programa Amaggi Regenera, que dá assistência técnica com foco no incentivo à biodiversidade e proteção do solo às propriedades de fornecedores. “É importante que os produtores parceiros também tenham boas práticas, com performance que possa ser demonstrada para o mercado”, afirma Fabiana Reguero, gerente de sustentabilidade da empresa.
A Amaggi tem um projeto-piloto em uma fazenda de 56 mil ha em Campo Novo do Parecis (MT), onde são postas em prática técnicas de agricultura regenerativa, como a criação de um fertilizante a partir de resíduos de soja e algodão e esterco do gado criado entre as duas safras. “Os resultados são todos mensurados e, se bem sucedidos, os métodos são reproduzidos por outras propriedades do grupo e propriedades parceiras”, afirma Reguero.
Embora cada vez mais adotada, não há definição consensual para a agricultura regenerativa. “Mas o objetivo é trabalhar com práticas que levem a uma agricultura mais sustentável”, diz Maristela Watthier, professora do Departamento de Agronomia da Universidade Federal de Viçosa (MG) e coordenadora do Laboratório de Agroecologia e Manejo de Agroecossistemas da instituição. Entre os métodos utilizados, ela menciona o revolvimento mínimo do solo, sua proteção com plantas de cobertura, rotação de culturas e utilização de insumos biológicos.
Algumas dessas práticas existem desde os anos 1970, como o plantio direto. Outras são mais recentes, como os biodefensivos. Na safra 2017-2018, as áreas tratadas com eles correspondiam a 9% da produção brasileira de grãos, cana-de-açúcar e café. Na safra 2020-2021, a parcela de biodefensivos nessas culturas havia triplicado, para cerca de 28%, mostra estudo da economista Fernanda Valente, do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (OCBio-FGV).
Outro levantamento, da CropLife Brasil em parceria com a S&P Global, estimou o mercado brasileiro de biodefensivos em R$ 3,3 bilhões na safra 21-22, um salto de 154% sobra a anterior.
Na SLC, parte dos insumos à base de fungos e bactérias é produzida internamente, em 17 fazendas. A Amaggi também está construindo sua planta própria, em Cuiabá (MT), com inauguração prevista para o próximo ano. Enquanto isso, a companhia compra os produtos no mercado. “Usamos, por exemplo, um fungo com 84% de efetividade no combate a percevejos”, diz Reguero. “O uso de insumos biológicos possibilitou a redução do uso de insumos sintéticos, que em 2020 era cerca de 320% maior do que hoje”, afirma Celini, da SLC.
A prática ajuda também no combate ao aquecimento global, já que 29% das emissões da agropecuária vêm do incremento de hidrogênio via utilização de fertilizantes sintéticos hidrogenados e de operações de manejo do solo, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Em parte por conta disso, a Amaggi e a SLC adotam o plantio direto e plantas de cobertura na área cultivada. “As plantas se transformam em matéria orgânica que, quando retida no solo, fixa o carbono. Também ajudam a arear, possibilitam mais infiltração de água e melhoram outras características químicas e físicas”, afirma Watthier. “Já quando o solo é revirado, os gases são liberados para atmosfera”, explica.
A partir do ano que vem a Amaggi deixará de comprar soja de produtores que desmatarem, que serão identificados por um sistema automático com utilização de imagens de satélite.