Funcionária de carreira da empresa pública criada para o desenvolvimento agrícola, Silvia Massruhá destaca o papel estratégico da atuação da Embrapa em pesquisas para fazer do Brasil uma referência em agronegócio tropical e em tecnologia agropecuária
A primeira presidente mulher da cinquentenária Embrapa, precedida por 12 outros presidentes, Silvia Maria Fonseca Silveira Massruhá acredita que o Brasil tem a oportunidade de “dar um show” na COP30, apresentando suas iniciativas em pesquisa e inovação agrícolas.
Em entrevista exclusiva ao IstoÉ Dinheiro, Massruhá, que está na empresa desde 1989, conta como, há 35 anos, a Embrapa já atua com os pilares da hoje chamada sustentabilidade, e como a empresa expandiu seu perfil de pesquisa, tendo que lidar, para além das questões de cultivo, também com os aspectos sociais, econômicos, com biotecnologia, mudanças climáticas, transição energética e riscos sanitários.
“É papel da Embrapa também trazer uma agricultura de baixo carbono, esse é o foco. Ter essa noção da complexidade da agricultura e essa visão sistêmica”
Como desafio de sua gestão, Massruhá revela, em tom entusiasmado, querer integrar o volume de dados e conhecimento que a instituição reúne ao longo de cinco décadas de pesquisas e aplicar neste momento de transição energética e alimentar, com sustentabilidade. Sustentabilidade, aliás, foi uma citação constante na conversa, assim como dados e tecnologia.
Nesses 51 anos de história, a empresa acumula 4 mil tecnologias desenvolvidas em seu portfólio. Hoje, são 43 centros de pesquisas espalhados por todo o Brasil. As frentes de pesquisa são tão diversas quanto os climas, solos e variedade de culturas no pais. Algodão, café, trigo, feijão, suínos, aves, peixes, frutas, hortaliças, cerrado são alguns exemplos.
A Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária foi criada em 1973 com a proposta de “encontrar soluções para demandas nacionais, institucionais ou de governo, ou para produzir soluções para demandas regionais, de biomas ou de cadeias produtivas que aumentam a competitividade e a sustentabilidade da agropecuária nacional”.
Hoje, a missão da empresa segue não só atual como extremamente estratégica, com o Brasil sendo um dos principais produtores agrícola do mundo em meio a mudanças climáticas que envolvem diretamente tanto a questão agrícola alimentar como energética.
Confira a entrevista:
A iniciou na Embrapa em 1989 e, em um evento recente, disse que desde aquela época a Embrapa já tinha uma preocupação com os aspectos sociais, ambientais e econômicos. São 35 anos na empresa. Como vê a evolução da atuação da Embrapa em relação a esse ponto da sustentabilidade ao longo desse tempo? Como foram esses principais momentos da agricultura e da sustentabilidade na linha do tempo da instituição?
Silvia Massruhá: Quando a gente volta na história da agricultura brasileira, a Embrapa foi criada em 1973 pensando na segurança alimentar do país, pois naquela época a gente importava muita coisa. Estamos em um cinturão tropical, com uma diversidade de clima e de biomas, e a Embrapa foi criada justamente para pensar nessa diversidade de solo e de clima. E assim ela se desenvolveu, também com parcerias com órgãos estaduais, com universidades, com PPPs. Sempre pensando em como desenvolver tecnologia para produzir mais na mesma área. A soja, por exemplo, trazida do [hemisfério] Norte, outro clima, não funcionava aqui. Começamos a desenvolver para vir para nosso pais e adaptar para esses diferentes biomas e realidades.
Despois tivemos intensificação agrícola, no inicio dos anos 1990, começando a trabalhar com mais culturas na mesma área. Poupando terra. Daí começam a surgir os sistema integrados, a agricultura de precisão. Sempre pensando na atividade econômica para o produtor rural, mas já pensando em como reaproveitar matéria orgânica, preservar recursos naturais, não precisar expandir [área plantada], fazer tudo juntamente à criação de animais.
Paralelo a isso tivemos novas tecnologias, trazendo biotecnologia, agricultura de precisão, e se começa a trabalhar nas outras dimensões, não só econômica, mas a ambiental e a social. Por isso digo que naquela época já tinha que fazer o trabalho de pesquisa e inovação pensando nessas três dimensões. Temos essa preocupação. E há 25 anos, fazemos o balanço social da empresa, avaliação do lucro social que a Embrapa gera, que em 2023 foi 85 bilhões de reais.
A Embrapa teve um papel fundamental na transformação do agronegócio brasileiro. Que tipo de inovação o momento atual pede para que se tenha algo do mesmo nível como foi o salto no cultivo de soja no país, ou na cultura do feijão, do café..?
Silvia Massruhá: Hoje temos foco em aumentar a produção e produtividade, mas com preservação ambiental cada vez maior. Ter que produzir e preservar, é um consenso e uma consciência no mundo inteiro. E o Brasil, em termos de inovação, tem que trazer esses indicadores e métricas como referência em agricultura tropical. Temos 50 anos de dados.
A genética continua importante. Estamos atuando com edição genética mais rápida, e pensando em genes com maior resistência à seca, por exemplo.
Estamos vendo o aumento no preço do café e do cacau, por exemplo, muito em parte por efeitos climáticos, e são duas culturas de alta produção no Brasil. Hoje tem alguma cultura prioritária em que a Embrapa está se debruçando?
Silvia Massruhá: Estamos trabalhamos com o trigo tropical, temos ótimos experimentos com trigo na Bahia. Trabalhando para ver se daqui no máximo três ou quatro anos o Brasil seja auto-suficiente e trigo. Temos uma diversidade de projetos, tem uma área da Embrapa só dedicada ao café. O feijão, cacau, açaí, dendê, carnaúba etc.
É papel da Embrapa também trazer uma agricultura de baixo carbono, esse é o foco. Ter essa noção da complexidade da agricultura e essa visão sistêmica. A agricultura do Brasil foi bem-sucedida até aqui porque investiu em ciência e em políticas públicas que se baseiam na ciência. O desafio é grande, mas é motivador.
Como a Embrapa pode ajudar o Brasil a ser esse líder quando se fala em agricultura sustentável, produtiva, e ainda uma liderança também na transição energética?
Silvia Massruhá: Precisamos de uma agricultura que tem que reduzir a emissão de gases. O Brasil é um país que tem condição de fazer isso. Por exemplo, há 10 anos a Embrapa já vem trabalhando e discutindo com produtores, tanto de cana-de-açúcar, de soja ou de milho sobre biocombustíveis. E isso embasa políticas públicas, como o Renovabio [Política Nacional de Biocombustíveis de 2017 focada em redução de emissões e expansão do uso de biocombustíveis na matriz energética brasileira]. Então se usa dados e evidências gerados pela Embrapa para poder criar essa política pública. E isso vale para o biogás, tratamento de rejeitos, e outras formas alternativas de produção de energia, seja em parcerias com cadeira de suínos e aves, ou discutindo sobre a macaúba como alternativa. Tem várias coisas do ponto de vista de pesquisa.
Discutimos também a questão dos bioprodutos porque isso acaba sendo fertilizantes. O Brasil hoje importa 85% dos fertilizantes usados, uma dependência grande. Então tem também a questão de soberania nacional de como diminuir essa dependência. Temos ainda parceria com a Petrobras para discutir alternativas ao que hoje é uma das maiores emissões de gases de efeito estufa, que é a aviação. É um desafio porque biocombustível pode ser uma alternativa, mas temos que dar escala a isso. E o Brasil pode ser protagonista nisso. Seriam alternativas para não dependermos só do petróleo.
Quais os desafios da Embrapa hoje para continuar atuando e que a sra. planeja superar em sua gestão?
Silvia Massruhá: O meu desafio é trazer esses dados e informações pra “dentro da porteira” e para “fora da porteira”. Usar esses dados para novas políticas públicas, como o programa nacional de recuperação de áreas degradadas entre outros planejamentos agrícolas de risco climático.
Para melhorar e criar novas políticas públicas é organizar tudo isso nessas diferentes esferas. Dentro da agricultura, para agricultura e pela agricultura. Para trazer os índices de sustentabilidade e referência e usar toda a capacidade de informação para retroalimentar o modelo de pesquisa e inovação que hoje nós temos no país.
Esse é o nosso desafio agora pensando na agricultura do futuro, que é essa agricultura multifuncional resiliente. Sobre como usar essas novas tecnologias: biotecnologia nanotecnologia, automação, precisão etc. para agregar valor dentro dos diferentes sistemas de produção.
Uma prioridade da nossa gestão é trazer esses indicadores e métricas para mostrar que somos referência em agricultura tropical. Porque não adianta só a gente falar que somos. Publicamos muitos dados e informações, mas a gente não tem hoje isso de forma organizada.
De forma por exemplo, como a Europa está fazendo esse “green deal” deles, com dados e parâmetros do clima temperado. E nós temos aqui, duas, três safras, temos informação sobre fixação biológica de nitrogênio, sistema de integração agroflorestal, estamos também prospectando genes tolerantes à seca, mais adaptadas ao aumento da temperatura. São alguns exemplos. E fazendo isso de maneira rápida. Não é como antigamente que levamos 30 anos para edição gênica.
Então nós temos que usar essas tecnologias, esses temas de produção, esses dados, informações que a gente gerou até agora para ajudar a tanto a retroalimentar pesquisa e inovação como para subsidiar políticas públicas.
Houve uma citação no passado de uma possível privatização da Embrapa. Como vê essa possibilidade? E como a empresa pode continuar pública, inovadora e eficiente?
Silvia Massruhá: A Embrapa é importante continuar como empresa pública, porque é uma questão de soberania de Estado. Então assim, isso [privatização] não avançou porque foi detectado que não é estratégico para o país. Isso não quer dizer quer Embrapa não possa ter parceria público-privada. Ela tem inclusive várias.
Para pesquisa, precisa também investir em pessoas, e pessoas com qualificação, com mestrado, doutorado. Tem a questão de infraestrutura, com campos experimentais, laboratórios de alto nível, para competirmos no mercado internacional. Então, tem que ter recursos para você bancar os projetos de pesquisa, para manter essas infraestrutura atualizadas.
Nos últimos 10 anos, temos 1/3 do recurso que a Embrapa precisa. Mas conseguimos avançar com o Novo PAC, estamos conseguindo a revitalização de campos experimentais de laboratórios. Conseguimos recursos para trazer gente nova, fazia 15 anos que não trazia gente nova.
E estamos discutindo como que seria um modelo de financiamento adequado para entrar e poder vir outras fontes de financiamento, como via parceria público-privada, ou um fundo patrimonial. Estamos discutindo várias alternativas.
Mas ela precisa, sim, continuar pública. É uma questão de soberania nacional, segurança alimentar, entende? Então volto aos desafios da minha gestão, de estruturar a Embrapa para ela continuar sendo essa referência em agricultura tropical. E, para isso, precisamos resolver esse modelo de financiamento dela. Ela precisa ter fundos independentes. Até porque, pode vir o governo que for, ela precisa ser independente.
Como acha que o Brasil vai chegar à COP30, daqui um ano em Belém (PA), em termos de lição de casa em produção agrícola sustentável e transição energética?
Silvia Massruhá: Eu acho que a COP30 vai ser uma oportunidade pra gente fazer um show dessas tecnologias várias que falamos. Mostrar, por exemplo, nosso trabalho de 50 anos com sistema agroflorestal, trabalho com açaí, dendê, cacau… os resultados disso na integração lavoura-pecuária-floresta. Mostrar o quanto nosso trabalho consegue estocar de carbono. A COP30 será uma oportunidade de melhorar essa comunicação do agro.
Mostrar para o mundo todo essas tecnologias e os resultados disso. Que essa agricultura do Brasil, ela é sustentável sim, nas dimensões econômica, ambiental e social.
Veja só, a agricultura expandiu em 140% nesses últimos 50 anos a área plantada, enquanto a produção de grãos aumentou em 580%. Isso foi justamente com tecnologia! Então eu acho que é essa mensagem, a gente tem que fazer da COP30 um momento de um show mesmo.