Empresa busca acelerar o desenvolvimento de novos mercados ligados à cana-de-açúcar, que incluem também o biogás e combustível sustentável de aviação
A Copersucar — que nasceu há 65 anos como uma cooperativa de usinas para vender açúcar e hoje é uma plataforma multinacional de comercialização e logística de açúcar, etanol e energia — prepara-se para entrar de vez na descarbonização da economia. A companhia aposta em biocombustíveis de baixo carbono derivados da cana para promover a transição dos transportes leves, do aéreo e do marítimo, numa estratégia em que o biometano deve ter papel central.
“Vemos muita oportunidade concreta de acelerar o desenvolvimento de novos mercados relacionados ao nosso ‘core’ — a cana —, como biogás, biometano, combustível sustentável de aviação”, afirma Tomás Manzano, CEO da companhia, em entrevista à reportagem.
O biometano é um substituto do gás natural fóssil feito a partir da biodigestão de matérias orgânicas e da purificação do biogás resultante, podendo ser usado em veículos, indústrias e residências. Nesse mercado, Manzano vê a possibilidade de a Copersucar atuar na comercialização, como já faz com outros produtos das usinas.
O executivo acredita que, assim como o setor apostou há 20 anos na cogeração de energia elétrica a partir da queima do bagaço de cana, as usinas devem agora investir em conjunto na produção de biogás e biometano a partir dos resíduos industriais.
No “ecossistema” da Copersucar, sua projeção é que, em dez anos, todas as 38 unidades industriais tenham plantas de biometano com capacidade para ofertar 2 milhões de metros cúbicos de gás ao dia — considerando a tecnologia de biodigestão existente hoje, que utiliza vinhaça e torta de filtro.
Já há testes de biodigestão de resíduos agrícolas, como bagaço e palha de cana, o que poderia multiplicar essa capacidade, diz. Hoje, a Cocal, uma das associadas da Copersucar, tem uma planta de uma biometano em funcionamento e outra em construção.
A Associação Brasileira do Biogás (Abiogás) estima que todo o país terá daqui dez anos uma produção de 7 milhões de metros cúbicos de biometano ao dia. A perspectiva de Manzano, portanto, indica que a Copersucar pode responder por 30% dessa oferta.
Isso não significa que todo esse volume iria ao mercado via Copersucar. A própria companhia tem um alto consumo de diesel para movimentar ao ano 6 milhões de toneladas de açúcar das usinas a terminais, portos e clientes. “Dentro de casa, tenho demanda para ter cinco a seis fábricas exclusivas de biometano só para substituir [o diesel] na minha frota”, observa.
As usinas também devem usar o biometano para substituir seu próprio consumo de diesel nas operações agrícolas. Manzano estima que se o biometano das empresas associadas for usado para substituir todo o diesel consumido na Copersucar e 40% do diesel consumido nas operações das usinas, será possível reduzir a demanda por diesel em 240 milhões de litros ao ano.
Ele também vê espaço para comercialização do biometano no mercado interno e até no exterior — embora, nesse caso, seja necessário criar uma logística de liquefação do biometano.
Para Manzano, o mercado de biometano deverá operar como o de geração distribuída de energia, com oferta para demanda local, dada as limitações da infraestrutura de dutos de gás no país.
Atualmente, metade das usinas de cana tem acesso a dutos. Ainda assim, ele acredita que “a infraestrutura do Brasil de dutos tende a se desenvolver”. “Uma planta de biometano poderá ter um portfólio de opções: venda por duto, para postos de combustível, uso na frota própria, geração de energia”, sustenta.
Outra oportunidade, avalia, é usar o produto como insumo para fabricar biofertilizantes, e assim substituir os adubos químicos usados nos canaviais.
Além de diminuir custos, o uso do biometano para substituir diesel e produzir fertilizante reduz a pegada de carbono da produção de etanol, o que pode tornar o biocombustível brasileiro ainda menos intenso em carbono.
“Esse etanol de baixa intensidade de carbono tem múltiplas aplicações. E, no médio a longo prazo, o que vai ter valor na transição energética é a baixa intensidade de carbono das soluções”, sustenta Manzano.
O etanol é visto como uma potencial matriz de produção de SAF, mas há mais alternativas. Em junho, a Copersucar firmou parceria com a Geo para desenvolver o SAF a partir de biometano, uma solução ainda inexplorada para a aviação, que, segundo o executivo, terá produtos e subprodutos.
Os derivados da cana também estão no radar como uma solução para a descarbonização do transporte marítimo. Por enquanto, esse ainda é o setor com menor avanço tecnológico, mas Manzano acredita que em três a cinco anos haverá uma tecnologia pronta para ser testada. As alternativas ligadas à cana estudadas hoje são de combustível marítimo feito de etanol (biobunker), o próprio etanol e o biometano líquido.
Na avaliação do CEO da Copersucar, tanto as novas tecnologias como o próprio uso do etanol nos carros devem assegurar ao etanol uma demanda global crescente, a despeito do avanço dos carros elétricos. “Metade dos carros flex no Brasil ainda não abastecem com etanol”, afirma.
Além disso, há a expectativa com a possibilidade de elevar a mistura de etanol anidro na gasolina a 30%, como previsto na lei do Combustível do Futuro, o que ainda dependerá de testes.