Caximba: de Passivo Ambiental a Ativo Urbano

No último dia 23 de abril, integrantes dos comitês de Inovação & Transformação Digital e ESG do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), capítulo Paraná, realizaram visita técnica à Pirâmide Solar de Curitiba. Localizada no município de Fazenda Rio Grande, no desativado aterro do Caximba que, durante 21 anos, recebeu os resíduos da Grande Curitiba e ficou marcado por conflitos e desavenças. É de se notar que com o projeto de encerramento do aterro, e mais recentemente a implantação do parque solar, hoje o local se destaca como exemplo de inovação e sustentabilidade.

A Pirâmide Solar do Caximba, segundo dados[3] da Prefeitura de Curitiba, conta com 8,6 mil painéis solares e uma potência instalada de 4,55 MWp[4], fornecendo cerca de 30% da energia utilizada nos prédios públicos do município. Além disso, o projeto gera uma economia anual de R$ 2,6 milhões para os cofres municipais, com a redução de  gastos de energia. Segundo o Adilson Marin, assessor técnico da Prefeitura de Curitiba, em entrevista dada aos autores, outro benefício do projeto foi a geração direta de 118 empregos ligados à cadeia fotovoltaica, sendo 5% desta mão de obra feminina.

Este artigo destaca como as práticas de sustentabilidade e as estratégias de Governança, Social e Ambiental (ESG) contribuíram para mudar a realidade de um local estigmatizado por problemas ambientais, de saúde pública e pobreza.

Transformação do Aterro do Caximba

Historicamente, o aterro do Caximba representou um desafio significativo para Curitiba. O local recebeu mais de doze milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos entre os anos de 1989 e 2010[5]. Durante esse período a área se tornou um problema de saúde pública e um símbolo de degradação ambiental, com constantes reclamações da população do entorno. No entanto, com a adoção de uma abordagem orientada para a sustentabilidade e a governança responsável, a transformação começou a tomar forma.

O encerramento de um aterro sanitário é um processo complexo o qual envolve diligências intrincadas e respeito a vários critérios técnicos, ambientais e regulatórios para garantir um desmonte garantidor do asseio e da salubridade, culminando com um local que não represente riscos para a saúde humana ou para o meio ambiente. Entre os principais itens a serem planejados e acompanhados nesse processo estão a estabilização dos resíduos, a impermeabilização da superfície, o acompanhamento do sistema de drenagem, o tratamento do chorume bem como dos gases resultantes da decomposição e, por fim, o estabelecimento de uma rotina constante de monitoramento ambiental. No entanto, dentre todas as variáveis, a elaboração do plano de uso futuro é um dos fatores críticos para o sucesso da transformação pretendida, devendo ser elaborado de forma a não comprometer a segurança ambiental e contando com a participação efetiva e com o engajamento da comunidade local.

A transformação do Aterro da Caximba enfrentou uma série de desafios e precisou de ajustes para sua viabilização. Tendo em vista a característica técnica do aterro, não foi possível a realização de escavações para fixação de estruturas para sustentar a Pirâmide Solar, pois, há um risco natural da ocorrência de movimentações, resultantes do processo de decomposição dos resíduos, as quais podem vir a comprometer eventuais armações a serem instaladas. Dessa forma, as placas solares componentes da usina foram apoiadas em sapatas sobre o solo e todo o sistema de cabeamento também precisou correr pela superfície.

Dentre as providências inclusas no plano de uso futuro, um dos pontos altos da reinvenção do Caximba foi, sem dúvida, a instalação da Pirâmide Solar. Este projeto não só contribuiu para a produção de energia renovável como também serviu de marco para a revitalização da área. O Parque Solar, capaz de gerar energia limpa e renovável, simboliza o potencial de recuperação e aproveitamento de áreas degradadas.

ESG to Value: Uma Estratégia Eficaz

ESG[6] abrange uma ampla gama de questões. Segundo Chakravarty, Toh e Pascual, os fatores ambientais incluem a biodiversidade, as alterações climáticas, a poluição, os recursos, e a segurança hídrica. Os fatores sociais podem abranger a responsabilidade com o cliente, a saúde e a segurança, os direitos humanos, a comunidade, e as normas laborais. A governança inclui iniciativas anticorrupção, governança corporativa, gestão de riscos e transparência fiscal[7].

A geração de valor a longo prazo, em empresas privadas, parte da definição estratégica de como ela cria, entrega e mede valor em todo o planeta, nas pessoas, na governança e na prosperidade. Esse conceito pode ser facilmente replicado para o setor público à medida em que o gestor integra critérios ESG em sua cadeia de fornecimento, desenho de políticas públicas e implantação de projetos.

Gestores públicos têm perseguido objetivos de sustentabilidade e trabalhado para cumprir os regulamentos emitidos pelos governos municipais, estaduais e federais, incluindo, por exemplo, a necessidade de uma utilização mais responsável da energia, de uma gestão eficiente dos resíduos, de infraestruturas de tráfego modernas, planejamento urbano coerente com as mudanças climáticas e crescimento populacional[8].

A estratégia ESG to Value adotada no projeto da Caximba focou em transformar os riscos ambientais e sociais, os quais são inerentes à projetos com esta característica, em oportunidades de criação de valor para a comunidade, para o meio ambiente e, evidentemente, angariando capital político para a gestão pública, dentre as quais podemos destacar:

Energia Sustentável:

A conversão de parte do aterro em um parque de geração de energia renovável não apenas reduziu a dependência de fontes de energia não renováveis, mas também promoveu a sustentabilidade ambiental e o aproveitamento eficiente do local, trazendo um novo uso ao espaço. Ainda segundo o Adilson Marin, com a instalação da planta solar, é evitada por ano, a emissão de 3.019 toneladas de CO2.

Desenvolvimento do entorno:

Na lição de Stephanou, Müller e Carvalho: “A elaboração de um projeto implica em diagnosticar uma realidade social, identificar contextos sócio-históricos, compreender relações institucionais, grupais e comunitárias e, finalmente, planejar uma intervenção, considerando os limites e as oportunidades para a transformação social.”[9]

Mais uma vez conforme Marin, a geração direta de 118 empregos ligados à cadeia fotovoltaica, sendo 5% desta mão de obra composta por mulheres, foi benéfica para a comunidade, uma vez que foi dada preferência para mão de obra local. Outro ponto destacado por Marin foi a mudança do estigma do bairro que, antes da intervenção, era visto como um local insalubre e, após a implantação do projeto, tornou-se motivo de orgulho para os moradores. Assim, segundo o entendimento dos autores do projeto da Caximba se verifica um respeito ao entorno conforme os autores acima citados.

No entanto, o entendimento de José Antônio Jardim, presidente da Central Única de Favelas do Paraná (CUFA-PR), em depoimento concedido aos autores, é de que os impactos sociais do projeto poderiam ter sido ainda maiores se tivesse havido um processo de escuta-ativa em toda a implantação. Diz Jardim: “A política inclusiva deve fazer sentido de ponta a ponta, pois se o objetivo é melhorar a qualidade de vida do cidadão, todos devem ser incluídos”. Jardim menciona, principalmente, o fato de não terem sido contempladas melhorias no transporte público para aquela população, por exemplo.

Governança:

A gestão do projeto foi pautada em princípios de transparência e responsabilidade, garantindo a realização de todas as ações com o maior padrão de integridade e eficácia. Segundo informações do Município de Curitiba[10], o projeto contou com a participação de fundos internacionais e foi selecionado pela rede de cidades C40, tendo sido contemplado com recursos advindos do Cities Finance Facility (CFF), integrante daquela entidade, para sua execução. Ainda mais, O programa desfrutou também de financiamento proveniente de várias entidades internacionais dentre as quais o Ministério Federal Alemão para o Desenvolvimento Econômico e Cooperação (BMZ[11]), o Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial do Reino Unido (BEIS[12]), a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID[13]). Por fim, o projeto seguiu ainda todas as regras de Geração Distribuída exigidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Impacto positivo:

O impacto da transformação da Caximba é visível tanto no meio ambiente quanto no cotidiano da comunidade local. A área alvo do projeto sempre foi desprestigiada, sendo até mesmo evitada pela população não residente. É certo já terem existidos processos de recuperação e monitoramento ambiental anteriores ao presente, mas, o acerto na concepção e execução de um procedimento imbuído de uma metodologia ESG, possibilitou não só uma alteração na percepção da comunidade do entorno, mas, também, a atração de visitantes e pesquisadores interessados em aprender mais sobre recuperação ambiental e a utilização da área para o projeto solar.

O projeto da Caximba visa ainda outros desdobramentos para continuar gerando valor e impacto aos stakeholders. Os próximos passos, segundo Marin, serão a construção de uma unidade de educação ambiental em formato de pequeno museu para contar a história do Aterro e valorizar a comunidade local e a instalação de uma nova usina, ainda em consulta de viabilidade técnica, para atender exclusivamente as unidades de Saúde.

Conclusões

A Pirâmide Solar não só revitalizou uma área antes negligenciada, mas, também estabeleceu um novo padrão para projetos de recuperação ambiental e responsabilidade social e corporativa. Embora tenha pontos a melhorar, sobretudo no envolvimento comunitário, o projeto da Caximba demonstra ser possível transformar passivos ambientais em ativos urbanos, redefinindo o papel das empresas, dos gestores públicos e comunidades na criação de soluções de impacto.

Ainda segundo Chakravarty et al, quando critérios ambientais, sociais e de boa governança são colocados no centro da estratégia de projetos, sejam públicos ou privados, o resultado é um melhor desempenho operacional e de produtividade, bem como maior rentabilidade[14].

A visita dos associados do IBGC capítulo Paraná ao aterro do Caximba identificou que iniciativa lá realizada endossa o conceito de Porter e Kramer segundo o qual o valor compartilhado conecta diretamente o sucesso das organizações ao desenvolvimento social, à melhoria da qualidade de vida e ao uso responsável dos recursos naturais. A integração de todos os atores e fatores – pessoas, empresas, governo e meio ambiente – garante eficiência, cria diferencial competitivo, expande mercado e conquista os consumidores[15]. O projeto da Caximba atuou na geração de valor compartilhado, tendo sido esse seu grande diferencial.

Por Silvia Elmor[1] e Gustavo F. Sbrissia[2]

Fonte: https://www.communitylivingbc.ca/wp-content/uploads/2018/05/Creating-Shared-Value.pdf


[1] Silvia Elmor é especialista em ESG pela International Association for Sustainable Economy (IASE/London); Possui formação em auditor Líder ESG com base na ABNT PR 2030:2022 pela GSC – Global System Certification; Pós-graduada em Direitos Humanos e Responsabilidade Social Corporativa pela PUC-RS; Pós-graduada em Marketing Estratégico pela FAE Business School; Formação em Liderança Feminina pela Inova – Lisboa. É coordenadora da Câmara Setorial ESG da Associação Comercial do Paraná; Membro do Comitê ESG do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC – PR); Signatária do Pacto Global da ONU; Embaixadora do Movimento Internacional Aliança pelo Impacto; Mentora Voluntária do Instituto Vasselo Goldoni (IVG); É sócia-fundadora da DESGN, estúdio de Inovabilidade, possui mais de 20 anos de atuação no mercado nas áreas de marketing, comunicação, gestão de marca e reputação, planejamento estratégico e ESG.

[2] Gustavo Fischer Sbrissia, especialista em Sustentabilidade e ESG, combina mais de 20 anos de experiência em Gestão Ambiental e Responsabilidade Social. Formado em Engenharia Agronômica pela UFPR, possui Mestrado em Economia pela USP, MBA em Gestão Ambiental, e é Especialista em Mudanças Climáticas pela Universidade de Cambridge. Sua trajetória inclui direção em sustentabilidade em grandes empresas privadas, e atuação como Diretor de Políticas Ambientais na Secretaria do Desenvolvimento Sustentável do Estado do Paraná em 2023. Atualmente, é Sócio Diretor na H2G Consult, onde aplica seus conhecimentos para promover práticas ambientais sustentáveis no setor corporativo

[3] Fonte: <https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/piramide-solar-do-caximba-transforma-antigo-aterro-sanitario-em-gerador-de-energia-limpa-em-curitiba/67889> consultado em 26.04.2024.

[4] megawatt-pico – Unidade de potência criada para medir a capacidade instalada de painéis fotovoltaicos. Ela considera a potência máxima que um painel pode fornecer ao meio-dia, com irradiação solar plena. Fonte:< https://megawhat.energy/verbetes/425/watt-pico> consultado em 28.04.2024.

[5] Fonte: < https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2023/03/29/aterro-da-caximba-e-transformado-em-usina-de-energia-solar-saiba-como.ghtml> consultado em 26.04.2024

[6] Da sigla em Inglês: Environmental, Social and Governance – e em tradução livre: Ambiental, Social e Governança.

[7] CHAKRAVARTY, Vikram, TOH, Andre e PASCUAL, Gilles. Determining which factors to prioritize and the level of commitment required need not be a challenge for corporate strategists. Disponível em: <https://www.ey.com/en_ph/real-world-strategy/how-companies-can-link-esg-to-long-term-value> consultado em 28.04.2024.

[8] WATTS, Elizabeth e SPENCER, Keirstyn. Driving ESG initiatives for local government. Disponível em <https://kpmg.com/au/en/home/insights/2021/08/future-of-local-government-esg-initiatives.html>

[9] STEPHANOU, Luis, MÜLLER, Lúcia Helena e CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Guia para elaboração de projetos sociais. Disponível em: <https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/docs/guia-para-elaboracao-de-projetos-sociais.pdf> consultado em 28.04.2024.

[10] Fonte: < https://www.curitiba.pr.gov.br/noticiasespeciais/piramide-solar-de-curitiba-primeira-da-america-latina-em-um-aterro/45> consultado em 26.04.2024.

[11] Tradução livre, no original: Bundesministerium für wirtschaftliche Zusammenarbeit und Entwicklung

[12] Tradução livre, no original: Department for Business, Energy & Industrial Strategy

[13] Tradução livre, no original: U.S. Agency for International Development

[14] CHAKRAVARTY et al. Op. Cit.

[15] PORTER, Michael E. e KRAMER, Mark R. Creating Shared Value. Harvard Business Review. Janeiro-fevereiro de 2011. Disponível em <https://www.communitylivingbc.ca/wp-content/uploads/2018/05/Creating-Shared-Value.pdf> consultado em 28.04.2024.


[1] Silvia Elmor é especialista em ESG pela International Association for Sustainable Economy (IASE/London); Possui formação em auditor Líder ESG com base na ABNT PR 2030:2022 pela GSC – Global System Certification; Pós-graduada em Direitos Humanos e Responsabilidade Social Corporativa pela PUC-RS; Pós-graduada em Marketing Estratégico pela FAE Business School; Formação em Liderança Feminina pela Inova – Lisboa. É coordenadora da Câmara Setorial ESG da Associação Comercial do Paraná; Membro do Comitê ESG do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC – PR); Signatária do Pacto Global da ONU; Embaixadora do Movimento Internacional Aliança pelo Impacto; Mentora Voluntária do Instituto Vasselo Goldoni (IVG); É sócia-fundadora da DESGN, estúdio de Inovabilidade, possui mais de 20 anos de atuação no mercado nas áreas de marketing, comunicação, gestão de marca e reputação, planejamento estratégico e ESG.

[2] Gustavo Fischer Sbrissia, especialista em Sustentabilidade e ESG, combina mais de 20 anos de experiência em Gestão Ambiental e Responsabilidade Social. Formado em Engenharia Agronômica pela UFPR, possui Mestrado em Economia pela USP, MBA em Gestão Ambiental, e é Especialista em Mudanças Climáticas pela Universidade de Cambridge. Sua trajetória inclui direção em sustentabilidade em grandes empresas privadas, e atuação como Diretor de Políticas Ambientais na Secretaria do Desenvolvimento Sustentável do Estado do Paraná em 2023. Atualmente, é Sócio Diretor na H2G Consult, onde aplica seus conhecimentos para promover práticas ambientais sustentáveis no setor corporativo